03/09/2025

Secretário da Receita diz que norma que obriga fintechs a informar movimentação financeira será retroativa

Por: Thaís Barcellos e Geralda Doca
Fonte: O Globo
A obrigação de prestar informações sobre movimentações financeiras no
mesmo nível dos bancos vai valer para as fintechs de forma retroativa, a partir
de janeiro deste ano, revela o secretário da Receita Federal, Robinson
Barreirinhas, em entrevista ao GLOBO.
A norma que equiparou essas instituições aos bancos perante o Fisco foi
publicada na semana passada, após a deflagração da megaoperação Carbono
Oculto contra o crime organizado. A investigação apontou o envolvimento de
fintechs em lavagem de dinheiro nos setores de combustível.
Barreirinhas disse que a regulamentação vai determinar a prestação de
informações desde o primeiro semestre, assim como previa a norma que foi
revogada no início do ano após a campanha de desinformação que envolveu
fake news sobre a tributação do Pix. De acordo com o secretário, era uma
questão de “honra” fechar a brecha que estava sendo utilizada pelo crime
organizado.
— A gente estava com um mal maior. Lógico que a medida era importante, só
que a gente não podia tirar a credibilidade do Pix e teve que dar um passo atrás.
Mas eu falei na época que não era o final da história — disse.
Na semana passada, a Receita Federal editou uma norma que obriga essas
empresas a prestarem as mesmas informações sobre movimentações financeiras
que os bancos têm de apresentar hoje. A partir de agora, estas instituições de
pagamento serão obrigadas a repassar ao Fisco informações de operações que
superem R$ 2 mil por mês, no caso da pessoa física, e R$ 6 mil, no da pessoa
jurídica.
O secretário defendeu a limitação de depósitos em dinheiro vivo em contas
bolsão, que classificou como um novo tipo de “paraíso fiscal”. Essa conta
normalmente é aberta em nome de uma instituição de pagamento e congrega
recursos de todos os seus clientes, sem transparência sobre o real beneficiário.
Barreirinhas ainda argumentou que as regras para as fintechs precisam
acompanhar o crescimento do mercado. A regulação é de responsabilidade do
Banco Central. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida
ontem.
Quais são as frentes da investigação da Receita após a megaoperação
contra o crime organizado?
Tem uma frente financeira que está recebendo a maior parte da atenção, os
gestores dos fundos e os próprios fundos. Foram investigados em torno de 40
fundos, mas essas gestoras têm centenas de outros fundos. Na sexta-feira, foi
publicada a IN (Instrução Normativa) exigindo o fornecimento das
informações da e-Financeira (plataforma da Receita Federal que centraliza
dados financeiros enviados por instituições) pelas fintechs. Na regulamentação,
vamos pedir informações do primeiro semestre, desde janeiro.
Será retroativo?
A e-Financeira é sempre retroativa, duas vezes por ano, em agosto e depois em
janeiro de outro ano, em relação ao semestre anterior. Isso é um dado relevante
para a gente cruzar informações que já coletamos e avançar em relação a outros
fundos. Estamos muito em cima disso junto com os outros órgãos de
inteligência.
A Receita já sabia do risco do uso de fintechs pelo crime organizado.
Diante disso, o governo não deveria ter sido mais firme e ter mantido a
regra no início do ano?
As pessoas estavam deixando de usar o Pix, 60% das pessoas achavam que o
Pix seria tributado. Estávamos com um mal maior. Lógico que a medida era
importante, só que não podíamos tirar a credibilidade do Pix e tivemos que dar
um passo atrás. Mas eu falei na época que não era o final da história. Por quê?
Porque o prazo para prestação de informação era agosto. Até agosto tinha que
resolver, era uma questão de honra. A gente precisava mostrar para a população
de uma maneira didática que a gente precisava dessas informações. Os
criminosos, que apostaram que a gente não ia insistir nela, tomaram um susto.
E quais são as outras frentes?
Tem a frente empresarial, das empresas em si, que deixaram de pagar tributos.
E tem uma terceira frente, que é a aduaneira. Levantamos muitos dados
relacionados não só à entrada de metanol, mas também de outros
hidrocarbonetos derivados de petróleo e diesel.
A operação apontou padarias e lojas de conveniência de postos no
esquema de lavagem de dinheiro. Quais outras empresas serão
investigadas?
São empresas cuja participação foi adquirida por meio dos fundos de
participação. Tem empresas de transporte, usinas, fazendas adquiridas por
fundos de investimento imobiliário. Mas temos que tomar muito cuidado
porque às vezes os sócios nem sabem disso.
A empresa emite debêntures, um fundo compra. Esse fundo, às vezes, está
comprando debêntures de uma empresa legítima com o dinheiro do crime
organizado. Estamos tomando muita cautela para não cometer erros que
ocorreram em outras operações no passado, como na Lava-Jato. Quando não
separamos exatamente o ilegal do legal, podemos quebrar uma empresa
saudável, evidentemente, sem contar que todo o processo pode ser anulado.
Além de combustíveis, a Receita tem um mapeamento de outros setores
ligados ao crime organizado?
Cigarros convencionais e eletrônicos e jogos ilegais. Quando se trata de bilhões
de reais não é preciso ser um gênio da investigação para saber que o crime
organizado está envolvido. No ano passado, foram apreendidos quatro milhões
de cigarros eletrônicos, tem cigarro eletrônico sendo vendido a R$ 150. Essa
dinheirama toda que é recolhida aqui no Brasil tem que sair do país depois.
Como esse dinheiro vira dólar para sair daqui? Tem que ser convertido e aí
entram os esquemas de lavagem de dinheiro e de remessa ilegal para o exterior.
Temos que interromper esse fluxo financeiro.
E em relação aos jogos ilegais?
Na medida provisória 1.303 (editada pelo governo para compensar a perda com
Imposto sobre Operações Financeiras), há um dispositivo que aperta contra as
fintechs utilizadas pelos jogos ilegais. Todas as bets ilegais, que não estão
habilitadas pelo Ministério da Fazenda, utilizam fintechs para fazer
movimentação financeira.
Além de sancionar os responsáveis administrativamente, as fintechs também
serão responsabilizadas. E, agora, o projeto de lei dos benefícios fiscais trata da
responsabilidade tributária das fintechs. Vamos cobrar os tributos devidos pela
pela bet ilegal, das fintechs e de quem fizer publicidade. Aí vai pesar no bolso.
Nós, de alguma forma, já estamos fechando essas brechas.
Outras medidas serão necessárias?
Vamos anunciar outras medidas no futuro relacionadas à aduana, à entrada de
mercadorias. Vamos ter que conversar com o CNJ (Conselho Nacional de
Justiça), porque muitas dessas cargas são liberadas por liminar do juiz. Depois
que o combustível entra no mercado, acabou, não encontra mais.
O senhor disse na semana passada que, se a nova norma da Receita já
estivesse em vigor, mais fintechs teriam sido alvo da operação. Há outros
indícios?
Duas fintechs movimentaram 50 e tantos bilhões de reais. Tem muitas outras
fintechs. Não estamos falando das fintechs das bets ilegais. A conta bolsão está
no nome da fintech. Só quem sabe quem é um real beneficiário é a própria
fintech. Isso é um paraíso fiscal.
Tem que acabar com a conta bolsão?
A instituição de pagamento não tem agência. Então, para depositar dinheiro lá,
a fintech abre uma conta em um banco normal. Essa é a conta bolsão. Vai ter
que continuar existindo por conta dessa sistemática. Mas a lógica de fintech era
de não ficar depositando dinheiro. Um pequeno comerciante, está bem. Mas o
que aconteceu nessa operação foram dezenas de milhões de reais depositados
em fintech.
Então a conta bolsão, se ela existir, deve ser para poucos valores. Pode ser uma
saída. Se você tem milhões de reais, aí você não abre uma conta em uma fintech,
abre uma conta-corrente bancária normal.
Mas o argumento é que as fintechs são importantes para a bancarização.
Mas então faz até R$ 10 mil. Mas isso não é competência da Receita Federal. O
que nós estamos fazendo é compartilhando informações ou oferecendo esse
compartilhamento de informações ao Banco Central e à CVM (Comissão de
Valores Mobiliários). Trazendo eles para esse debate.
Isso mostra falhas na fiscalização e na regulação de fintechs e fundos?
Não me parece que seja o caso de vedar a operação com papel-moeda, é direito
das pessoas utilizarem, mas me parece razoável que se tenha controles maiores.
Somente a informação ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades
Financeiras) não está me parecendo suficiente. Essa conta bolsão está em
bancos sérios, eles informam ao Coaf. Mas é tanta informação que o Coaf tem
recebido relacionada a fintechs que não está dando conta.
Então, é preciso também ter algum tipo de regulação não só para fins da
competência do Banco Central, mas também para permitir que esse setor seja
fiscalizado pelo restante do governo, inclusive pelo Coaf.
O senhor disse que a Receita verificou que os bancos notificam o Coaf
em caso de suspeitas relativas a contas bolsão e fintechs. Por isso o foco
nas fintechs?
O volume cresceu tanto das fintechs, e a regulamentação, no meu entender, não
acompanhou isso. A Receita agora acompanhou, porque igualamos as fintechs
às instituições financeiras. Não quero que pareça crítica, não quero falar muito
das outras entidades, mas elas têm que se debruçar sobre isso também e verificar
dentro das suas competências o que pode ser feito para aprimorar esse
acompanhamento.
Está na pauta da Fazenda unificar a regulação de todo o sistema
financeiro. Acha que ajuda?
Se não unificar, coordenar melhor. Na questão do IOF, discutimos os VGBLs
(Vida Gerador de Benefício Livre, tipo de plano de previdência privada em que
o Imposto de Renda é cobrado no resgate). Nós detectamos que há dinheiro
sujo, na faixa de dezenas de milhões de reais que foram aplicados em VGBL.
Nessa operação, verificamos que houve direcionamento de recursos do crime
organizado. O VGBL era para ser uma complementação de aposentadoria. Nós
fizemos aquela regra (cobrar imposto) acima de R$ 600 mil por ano e teve
aquela grita toda.
A operação terá desdobramentos ainda este ano?
Neste ano, neste semestre vai ter desdobramento. Até porque agora que a gente
divulgou, a gente não pode demorar tanto. Os outros setores de importação já
sabem que a gente está de olho. A gente foi no contador, no estabelecimento e
pegou documentos. Então agora tem que ser rápido.
O governo está de acordo com a versão do senador Efraim Filho (União-
PB) do projeto do devedor contumaz (aprovado ontem no Senado após
a entrevista)?
Está pactuado com o senador Efraim. Esse projeto está aprimorado porque,
como é uma lei complementar, pode valer para estados e municípios também.
Estamos falando desse assunto há dois anos, conversando com os setores
econômicos, com os advogados, dizendo: "Não é com vocês, isso aqui é com
bandido, não é com contribuinte, é bandido, que se utiliza de instrumentos
empresariais para lavar dinheiro, para ocultar recursos. Temos que excluir essas
empresas que são veículos do crime para permitir que o empresário possa atuar
no mercado saudável".